terça-feira, janeiro 25

Eu continuo a querer conhecer e perceber o senhor que está preso no seu próprio corpo. Numa das nossas conversa fiquei a saber que o Sr. J adorava poesia e até mesmo declamá-la. Frustrado como nunca o tinha visto, vejo a sua tristeza misturada com uma pitada de raiva perante a sua nova condição que o impede de tal actividade. Descubro entre alguns, um dos seus poetas preferidos, Florbela Espanca. Num acto apenas de o mimar trago-lhe Charneca em Flor e assim que pousa o seu olhar na folha branca é poesia, literalmente. Declama-me o poema num murmúrio incompreensível, mas cheio de sentimento, entoação e muita paixão. Parece uma qualquer língua que não o Português, mas é uma vitória. Toda eu rejubilo, abesbílica com a cena incrível que tive a honra de presenciar. Seguro com muita força as lágrimas de emoção que tendem em cair, controlo os braços para não soltarem um abraço. Toda eu sou felicidade, toda eu me controlo. O que para a maioria parece nada de especial, para mim é e será sempre, brutal. O meu melhor momento enquanto Terapeuta, e talvez mesmo enquanto ser. Ao fim destes meses a ouvir sempre o mesmo disco riscado que varia entre o "papapapa" e o "caicaicai" oiço outros sons a saírem da sua boca, na realidade, oiço a sua verdadeira voz pela primeira vez. Quero abraçá-lo e não posso. Ele termina de ler e trocamos um olhar que ainda hoje está marcado, aqueles olhos azuis perante o sucedido esboçam um sorriso de felicidade pura. Ainda incrédula peço-lhe que o repita e ele fá-lo novamente, como se lesse em russo e eu absorvo cada um dos sons produzidos por si. Apetece-me gritar a todas as pessoas para que o presenciem, mas tal não é possível. Voltámos a ler outro poema e voltei a ver aquele brilho no olhar que julgava ser inexistente.

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