sexta-feira, janeiro 7

Quem gostaria de estar preso num corpo, no seu próprio corpo?
Eu não, certamente.
Olho para o Sr.J e vejo claramente alguém preso num corpo, com o qual nada faz senão existir. É isso que ele faz e que ele sente, que somente existe. Eu não sei isso porque mo tenha dito, mas porque mo transmitiu numa comunicação que neste momento é só nossa e que eu gostaria que fosse de todo o mundo, ou pelo menos só do seu mundo. Preso a uma cadeira de rodas é relativo, quando se está preso dentro do nosso cérebro, com uma impossibilidade imensa de comunicar, falando ou escrevendo. Sendo que este ultimo meio o utilizado por nós limita a comunicação, pois a sua escrita é debilitada e com muitas lacunas, consequentes de outras dificuldades. Ele escreve, eu suponho, mando respostas para o ar, por vezes acerto, por vezes (mais do que as desejáveis) erro redondamente, ele fica frustrado, eu não desisto, ele continua frustrado e entristece profundamente, eu não desisto mas já de nada vale, ele está aprisionado! Nessas alturas, tal como já lho disse, gostaria de ter um comprimido milagroso que o pusesse a falar em vez do constante "cai cai", ou agora a única evolução até à data um "papapapapapa". Perdeu a capacidade do seu cérebro controlar o seu corpo para falar, ele não fala, esforça-se comigo porque eu sei que ele ainda vê em mim a esperança, tento transmitir-lhe cada dia que estamos juntos, nem sempre sou bem sucedida. Ele chora, eu desespero por não ter soluções rápidas. Melhoras,...., prefiro não falar sobre isso sequer senão amanhã desisto imediatamente. As nossas conversas são triviais, quem nos oiça só ali vê um monólogo, mas eu vejo um diálogo. Por vezes estamos em frequências de onda diferentes, mas lá nos vamos entendendo com trivialidades do dia-a-dia, muitas das vezes sem conteúdo num assunto já muito batido porque o silêncio esse é de fugir. O que eu gostava? Gostava que ele tivesse a capacidade de se exprimir sentimentalmente, não apenas se tem dores, se o FCP ganha, mas que me mandasse dar uma curva, se ficasse irritado comigo, se ficasse feliz por uma pequenina felicidade. Um dia veio feliz porque recebeu um presente, eu fiquei feliz por ele, mas fiquei frustrada por não compreender toda a história por detrás do presente que ele me tentava contar. Ele não soube disso, pois estou já mestre em demonstrar compreensão na ausência da mesma. Eu queria que ele falasse com o resto do mundo e que o resto do mundo tivesse a mesma disponibilidade que eu tenho para pelo menos o tentar compreender. Porque há dias maus, muito maus, em que vem frustrado e só quer desaparecer e parar de viver por não falar com ninguém. 
Porque está preso num corpo no qual já não se reconhece e no qual ninguém perde tempo para o conhecer.

2 comentários:

As Cartas de Maria Violeta disse...

Entristece-me de cada vez que falas nele e num mundo só seu. Já agora, texto soberbo :)

flor de lótus disse...

N é soberbo, é sinceridade!