segunda-feira, maio 2

Soube hoje que sexta-feira passada me faleceu pela primeira vez um paciente. Alguém com quem trabalhava três vezes por semana desde Setembro. Se bem que ele tinha 84 anos e estava já há um mês no hospital, eu continuava na esperança de ver o seu sorriso gentil quando o ia buscar à sala de espera. Uns olhos azuis que carregavam uma mágoa imensa, mas nem assim deixavam de sorrir enquanto retirava o chapéu num gesto de "olá" que me dava.
Das ultimas vezes que estivemos juntos, não trabalhámos, estivemos apenas à conversa. Ele estava nessa altura mais do que cansado por estar preso a um corpo que não correspondia em nada com a sua mente. O corpo esse era dependentes de uma cadeira de rodas, a comunicação essa era dependente da paciência de quem o ouvia, ou tentava perceber.
Lembro-me que da primeira vez que apareceu eu morri de medo, pois era até agora o caso mais difícil com que me tinha deparado. Por norma os casos bicudos, eram assim desde a nascença, mas este senhor tinha ficado assim há coisa de um ano. Antigo desportista, sargento da GNR, pai de um filho, avô babado...especialmente do seu neto João, por quem os seus olhos tanto brilhavam...já na reforma amava declamar poesia. Quis o destino que após o AVC ficasse num lar que detestava por não ser o seu lar. Esforçava-se como ninguém, mas por vezes a doença vence, até os mais fortes. Não mais poderei ouvir poemas declamados que me deixavam atónita com o que o cérebro humano faz. Podia não pronunciar as palavras, mas a emoção e a intenção estava toda lá.
Tenho pena e até mesmo saudades, dizem que não nos devemos apegar às pessoas, mas facto é que eu sou uma pessoa a tratar de pessoas. Já tenho saudades da expressão terna que fazia quando lhe dizia que um dia ainda se ia aborrecer comigo pelos exercícios custosos e chatos que lhe pedia...ele ternamente tocava-me no braço, tombava ligeiramente a cabeça e sorria de uma forma como que a agradecer a minha dedicação. Sim, eu gostava deste senhor e tenho pena de tudo que ainda ficou por conhecer do senhor
Até sempre, Sr. José.

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